O Brasil está passando por um momento delicado,
diante de um cenário de instabilidade política, corrupção generalizada e
recessão econômica. Nunca antes na história desse país tivemos um cenário tão
escandaloso como o que agora se vê.
´ O
mais recente capítulo dessa crise moral que abala a nação é o possível impeachment da
presidente Dilma Roussef. Depois de um jogo de ameaças nada republicano,
envolvendo interesses diversos, o presidente da Câmara Eduardo Cunha acatou um
dos pedidos contra a Presidente, referente a denúncia das chamadas “pedaladas
fiscais”, um tipo de “empréstimo” dos bancos ao governo, o que é proibido pela
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em virtude desse contexto tão nebuloso que pode
acarretar a perda do mandato eletivo da Presidente da República, alguns irmãos
indagam se, à luz das Escrituras Sagradas, poderíamos, como cristãos, apoiar
o impeachment, afinal
de acordo com Romanos 13: 1 todas as autoridades foram constituídas por DEUS.
Antes de dar uma resposta teológica a esta indagação, precisamos compreender o que é,
de fato, o processo de impeachment.
De plano, é preciso dizer que esta palavra “impeachment” não consta em nossa
Constituição Federal. De origem inglesa, a palavra tem o significado de “impedimento”
ou “impugnação” contra a autoridade governamental acusada de infringir
os seus deveres funcionais. No Brasil, a expressão é usada em referência ao
processo que apura crimes de responsabilidade, isto é, infrações político-administrativas.
Nesse sentido, o art. 85 da Constituição de 1988
estabelece que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
1º – a existência da União;
2º – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da
Federação;
3º – o exercício dos direitos políticos, individuais
e sociais;
4º – a segurança interna do País;
5º – a probidade na administração;
6º – a lei orçamentária; e
7º – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
De acordo com o constitucionalista PEDRO LENZA, recepcionada em grande
parte, pela Constituição Federal de 1988, a Lei n. 1.079/50, que estabelece as
normas de processo de julgamento dos crimes de responsabilidade, foi alterada
pela Lei n. 10.028/2000, que ampliou o rol das infrações
político-administrativas, especialmente em relação aos crimes contra a lei
orçamentária.
Ao contrário, portanto, daquilo que apregoa a histeria
governista, o impeachment não
é um instrumento de golpe político,
mas sim um processo legítimo, legal e democrático para a apuração de crimes de
responsabilidade do Presidente da República. Cabe lembrar que o mandato eletivo
conquistado nas urnas não possui caráter absoluto e inquestionável, mas
comporta exceções que ocasionam a perda do mandato, especialmente nas hipóteses
de comprovado abuso de poder político, econômico ou dos meios de comunicação.
Com efeito, ainda que excepcional, o impeachment é
também outra ferramenta constitucionalmente legítima de desconstituição do
poder outorgado PELO POVO. Do
contrário, teríamos que considerar a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo
igualmente como um meio de golpe; o que, de fato, é contraditório.
Golpe político consiste em meio antidemocrático da
tomada de poder. Enquanto isso, o processo de impeachment garante
a legitimidade do poder, concedendo ao
acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Quanto ao que PAULO
escreve aos Romanos no capítulo 13, precisamos ter em mente um princípio
bíblico basilar que advém, antes de tudo, das palavras do próprio JESUS:
“Dai a César o que é César, e a DEUS o que é de DEUS”(Mateus
22: 21). Ao comentar essa passagem, FRANCIS
SCHAEFFER (p. 208) recorda que JESUS não quis dizer DEUS e César, em uma
posição de igualdade, lado a lado; mas DEUS e César, numa posição de superioridade divina.
Ao mencionar Romanos 13 SCHAEFFER enfatiza:
“DEUS estabeleceu o Estado como autoridade
delegada; ele não é uma autoridade autônoma. O Estado deve ser um agente de
justiça para restringir o mal, punindo o malfeitor, e para proteger os bons na
sociedade. Quando ele faz o inverso, não tem autoridade legítima. Ele se torna
uma autoridade usurpada e, como tal, se torna ilegal e tirana” (p. 208).
Desse modo, ele propõe que a desobediência civil,
às vezes, é uma atitude necessária ao cristão, especialmente quando a lei do
Estado destoa da LEI DE DEUS (cf.
Atos 5: 19). Ele escreve:
“A certa altura, existe não somente o direito, mas
o dever de desobedecer ao Estado” (p. 209).
Todavia, antes de desobedecer ao Estado, a própria
Constituição do país estabelece mecanismos de desconstituição daquele que
desborda do seu poder. Afinal, nos estados democráticos, a maior autoridade não
é o ocupante do poder, mas a própria Constituição.
Ela é a Carta Magna. Logo, temos que a autoridade
delegada por DEUS é a própria Constituição. Assim, quando o governante a
contraria, caso ela seja justa e em sintonia com A LEI DE DEUS, então o governante está contrariando a
autoridade do próprio DEUS, podendo, portanto, ser destituído.
A possibilidade jurídica de impedir a manutenção de
governantes corruptos no poder advém, aliás, de pressupostos judaico-cristãos,
a par da doutrina bíblica da falibilidade e depravação do homem. JONATAS MACHADO nos recorda que o
direito constitucional moderno “tem subjacente a idéia de que nenhum ser
humano, tal como nenhuma autoridade política ou religiosa, pode pretender para
si um estatuto de infalibilidade. Daí que ninguém pode reclamar o poder
absoluto ou uma liberdade absoluta. De acordo com esse entendimento, só DEUS pode
reclamar a infalibilidade”
(p. 41,42).
Segundo MACHADO,
“a defesa de um governo limitado por direitos fundamentais, do princípio da
separação de poderes e da existência de controles internos e externos à atuação
estadual pressupõe a verdade das afirmações judaico-cristãos da corrupção da
natureza humana” (p. 43).
Assim, “o reconhecimento da legitimidade e da
necessidade do combate à corrupção, ao arbítrio, à prepotência, à
criminalidade, à poluição do ambiente, etc, aí está para demonstrar que o
Estado Constitucional parte do princípio de que nem todos os comportamentos
humanos são igualmente valiosos e legítimos” (p. 43).
Essa é a razão pela qual os cristãos são convocados
a lutar contra os desmandos governamentais e denunciar
todo e qualquer tipo de corrupção, seja no Executivo,
Legislativo ou Judiciário (Deuteronômio 16: 19, 20; Salmos 82: 2 - 5; Isaías 1:
23), e até mesmo no seio da comunidade cristã,
em face daqueles que se afirmam irmãos na FÉ.
Nesse sentido, o profeta ISAÍAS vaticinou:
“Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães
que escrevem perversidades, para privar da justiça os pobres, e para arrebatar
o direito dos aflitos do meu povo, despojando as viúvas, e roubando os órfãos!
Mas que fareis no dia da visitação, e da assolação, que há de vir de longe? A
quem recorrereis para obter socorro, e onde deixareis a vossa glória, sem que
cada um se abata entre os presos, e caia entre os mortos?” (Isaías 1: 1 - 4).
O FILÓSOFO,
POETA,
ESCRITOR,
Dr. EM TEOLOGIA