O mundo atual é muito fragmentado, a análise ajuda
a dar unidade para pensamentos e sentimentos?
O Brasil continua com as desigualdades. Só precisa
ser lembrado disso. As manifestações desejam sua recuperação. Não vivemos de construções
velhas, portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos
sentimentos pedem sempre novas ações.O povo deve estar conciente,
se não lutar pelos seus ideais governo nenhum no mundo muda sua visão
estratégica
Filósofo dê um exemplo? O ser humano continuou
igual, enquanto o Brasil sofreu um avanço tecnológico imenso?
Em qualquer tempo nos encontramos em transição.
Sempre foi assim. Mas, agora, a velocidade é assombrosa. Outro dia, um
adolescente me falou uma coisa interessante: que John Lennon nunca tinha visto
um computador.
Quando um paciente tem alta, quem define isso: ele
ou o analista?
Não creio em alta. A alta não faz parte da minha idéia
analítica. A cura é uma idéia médica e se baseia em sintomas. O que existe são
momentos de desenvolvimento que promovem emancipação o Brasil está no decurso desta
idéia. Tem muita gente que quer se aprofundar em si mesmo. Por outro lado, para
quem faz análise, esse tipo de exercício reflexivo do povo não há como evitar é
vital.
Existe quem consiga fazer essa reflexão sem
manifestação?
De fato não criamos nada em isolamento. Prefiro
dizer que há pessoas que fecham a porta para esse tipo de prática. Muitas
possuem uma dificuldade de olhar para sua interioridade. São pessoas que estão
sempre em ação, impedindo o contato com o mundo onírico. Outros têm uma
cegueira para o que é conflitivo, contraditório e escuro. O que sabemos sobre a
análise é que aquele que a faz fica um pouquinho melhor na comparação com ele
mesmo. E esse pouco melhor é inestimável. A família e as pessoas ao lado notam.
Claro que, como tudo, análise depende de sorte. De achar a companhia certa para
tanto. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não chupa nem picolé porque
vai cair no seu sapato.
A rapidez e a competição da atualidade contribuem
para o aumento da angústia e facilita os protestos?
Vivemos transformações importantes. Acostumamo-nos
a lidar com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um novo. Existe
hoje um paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos obsoletos
profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma grande
insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de expediente
para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de viver. Por
exemplo, os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as hipotecas e o
destino dos mutuários. Será que as grandes corporações farmacêuticas são
diferentes?
E qual a conseqüência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar para a
própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma
personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo.
É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de
hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A
do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por
exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento e o valor das ações. E crescem
doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma
raridade.
O que é anorexia?
Ausência de desejo. Não se sente fome, não há vida
sexual. Porque o desejo é visto pelo anoréxico como um perigo de destruição
interna. Ele não tem acervo para dar conta. Isso é o desafio para o analista.
Como se trata de um discurso que não se organiza, é impossível realizar o que
os analistas faziam antigamente – presente no imaginário popular –, de atribuir
significados inconscientes ao que o paciente fala. É necessária a criação de
novas narrativas, novos sonhos.
E como o analista reage em uma situação como essa?
É um dos temas das manifestações populares. Colocar
o analista em questão.
Estamos diante de um mundo novo. Que implica em
novo corpo, ética e moralidade. Além de um sistema jurídico que terá que se
adaptar a tudo isso. Em um mundo onde as coisas estão cada vez mais técnicas, o
desafio para o analista é permanecer um humanista.
Com o avanço das drogas psiquiátricas, o paciente é
o que ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas medicações, são
um progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem mais ficar
tristes. Crises e os lutos são grandes oportunidades de transformação, de
inventividade, desenvolvimento. Se você não tem tempo do luto, as pessoas
tornam-se descartáveis. Como viver sem perdas? O importante é dar um destino
criativo para elas.
Como o senhor vê o crescimento dos fundamentalistas
no mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos pais era que os
filhos estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam porque os filhos
estão virando fanáticos. Com o a falta de tempo para construir um acervo que dê
conta da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas prontas.
Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o velho não
existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros. São
momentos em que ainda não há um novo sonho, uma referência poética. Em épocas
como essa, em que não existe tempo de esperar até que se organize um novo
sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as pessoas se socorrem de
coisas estabelecidas.
Outra discussão é sobre a esfera do público e do
privado. Mudou com a internet?
Sim. O Facebook e similares, por exemplo. As
pessoas acreditam que estão expondo a intimidade ali. Mas, na verdade, não.
Mudou o critério de intimidade. O que é íntimo, de verdade, as pessoas enganam
e não mostram.
Por quê?
Porque quando é íntimo é conflituoso. Pode ser
íntimo para uma pessoa e não para outra. E parte da graça é que é tremendamente
conflituoso e angustiante. Senão, seria como comer bife. Os medos da perda, da
invasão, do excesso, estão sempre aí. O número de fantasias, medos e
expectativas que acompanham a de seus direitos é enorme, e aí é que está a graça
ou que fica sem graça.
O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é uma bobagem
(risos). Uma coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é um sonho
infantil. A idéia de não ter conflitos, problemas é uma negação da realidade.
Isso não é viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida. Uma pessoa
que acredita nisso não vive a crise dos filhos, as questões amorosas, os lutos.
Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.
Para resumir, qual o maior desafio para o analista
hoje?
Cada vez mais o tratamento é bipessoal. Na sala de
análise tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem que ser corajoso e
participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta é a sua ética.
Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise. Brasil cabe a
brincadeira “vamos olhar nossos problemas de frente: pode se deitar”.
O FILÓSOFO
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