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sábado, 1 de dezembro de 2012

DEVEMOS TIRAR D-US DO DINHEIRO DA NOSSA NAÇÃO?



 
 ESTADO LAICO

A única saída que temos para viver em sociedade é criar e manter espaços de tolerância e respeito das diferenças. O espaço público é o mais amplo registro disso. E o estado laico é o grande promotor dos espaços públicos (escola pública, hospital público, praça pública, rua pública, canais de televisão e rádio públicos, previdência pública, etc.). Locais e instituições públicas são aqueles onde somos acolhidos a partir do princípio da dignidade inviolável da pessoa humana. Se eu estou doente, se necessito recorrer à justiça, se desejo estudar, eu vou a um hospital, a um tribunal ou a uma escola (todos públicos), e ali sou acolhido com igualdade de tratamento e respeito pela minha diferença, não importando minha orientação sexual, meu pertencimento religioso, minha identidade de gênero. Sou tratado com equidade. Quando quiser conviver exclusivamente com meus iguais, vou a um templo religioso específico, busco um ambiente doméstico, freqüento um espaço privado.


No sentido de tornar mais complexas as relações entre religião e políticas públicas de gênero e sexualidade, e contribuindo para lhes dar uma adequada arena de discussão, penso que os pertencimentos religiosos dos indivíduos são também questões da esfera pública, e não apenas do domínio privado. Em outras palavras, retiramos o tema religião do local onde o ditado popular sempre lhe coloca: “religião não se discute, é uma escolha pessoal”. Religião se discute sim, por ser um pertencimento cultural, com conseqüências políticas na vida em sociedade.

Há uma “inevitabilidade” da religião como política, que se dá pelo fato de que muitas pessoas vão entrar na arena política, vão ingressar no espaço público, com sua identidade religiosa como elemento importante. Tentar barrar isto, alegando que religião é algo do âmbito individual, não produz resultados adequados nem contribui para o alargamento do campo democrático.

Mais vale discutir esses pertencimentos, indicando os limites que precisam ter, para não converter o espaço público em espaço apenas de uma religião. O espaço público é plural e diverso. Novamente aqui, o estado laico existe para moderar o “apetite” totalizante das religiões, que buscam muitas vezes regrar tudo e todos por sua norma específica. O regramento da religião vale, unicamente, para aqueles que aceitam, livremente, pertencer a elas. Obrigar outros a seguir estas regras é amesquinhar o espaço público. Novamente aqui, subtrair esta tendência totalizante das religiões no espaço público é somar na força da democracia, que vai servir inclusive para permitir que os crentes manifestem suas diferentes modalidades de crença sem estigma.


O pertencimento religioso não elimina a autonomia dos fiéis. Na análise e compreensão do fenômeno religioso no mundo contemporâneo, interessa destacar dois vetores: o pluralismo religioso, e a autonomia religiosa dos fiéis. Atitudes que em um tempo passado eram “mal vistas” hoje são comuns. Refiro-me em especial a duas delas. A primeira é o pertencimento a mais de uma religião, efetuando uma combinação particular de crenças. A segunda é a manifestação contrária do crente ao que diz o cânone de sua religião[2]. O pertencimento religioso de um indivíduo não implica adesão necessária ou completa as verdades daquela confissão.

Ele segue sendo um indivíduo que poderá tomar atitudes diversas, tendo em vista o contexto, a argumentação apresentada, sua história de vida pessoal e familiar, fatores contingentes. Com isso valorizamos a existência do espaço público de discussão, no qual muitas proposições se colocam, e todas elas devem ser ponderadas na tomada de uma decisão.


O pluralismo religioso é marca da sociedade brasileira, com forte crescimento das igrejas evangélicas pentecostais, de várias denominações. Mas também dentro das igrejas aparece um pluralismo, com correntes carismáticas, renovadoras, de teologia da libertação, marianismo e outras, convivendo lado a lado na mesma estrutura. 
 
O indivíduo nasce em uma religião, mas já não pensa que é uma obrigação seguir esta orientação a vida toda. Em diferentes contextos da vida, o sujeito opta por seguir parcialmente as orientações de sua religião, por não seguir estas orientações, por seguir de modo mais estrito. Mudar de uma igreja a outra, ou seguir na vida pertencendo simultaneamente a mais de uma diretriz religiosa não é mais considerado algo a se envergonhar, nem é mais tomado como “falta de consciência”. Tudo isto nos fala de uma autonomia dos fieis frente à hierarquia, e indica também uma pluralidade de formas de compreensão e vivência da experiência religiosa.

Encerro o texto fazendo um “voto de fé” no horizonte normativo que acredito ser mais forte: o espaço público é o espaço de negociação das possibilidades e limites de exercício do poder, e ele se caracteriza pelo referencial das práticas democráticas e pelos esforços de inclusão de grupos e indivíduos nos benefícios sociais. Desta forma, a participação das igrejas (da fé organizada) nos debates políticos sobre sexualidade (direitos sexuais e reprodutivos, reconhecimento de uniões homossexuais, reconhecimento jurídico de adoções por casais homossexuais, acesso a união civil ou ao casamento por parceiros do mesmo sexo, e muitas outras questões) deve se pautar pelo respeito e alargamento do espaço público. 


Por um lado ninguém deve ser proibido ou constrangido de manifestar sua opinião apenas porque ela é baseada em valores religiosos, ela é uma opinião válida no debate político. Por outro lado, está vedado às instituições religiosas buscarem o estado para impor sobre toda a população a particularidade de suas crenças e valores. Mais do que deixar isto claro em leis e regulamentos (o que é obviamente necessário), o desejável é que todos os atores sociais reconheçam a importância de preservação do espaço público, como arena em que se busca a composição e a solidariedade entre diferentes pontos de vista, tarefa por vezes muito difícil, mas inerente à vida em sociedade.

O FILÓSOFO

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