Alunos premiados nas Olimpíadas de Matemática |
Em apenas três meses, a pequena cidade de Cocal dos Alves, de 5,6 mil habitantes no interior do Piauí, ganhou espaço nobre no noticiário brasileiro duas vezes. Em março, por ser a cidade onde nasceu e vive o vencedor do concurso Soletrando, programa de Luciano Huck, e na semana passada por receber quatro medalhas de ouro, três de prata e cinco de bronze nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Em visita à cidade, o iG descobriu que o cocalalvense não é bom só nessas áreas. Há títulos em competições de outras disciplinas e todos os 16 alunos que se candidataram a vagas na Universidade Federal do Piauí no ano passado foram aprovados.
Nos últimos dois anos, foram três medalhas nas olimpíadas estaduais de química e uma na brasileira de língua portuguesa, além de trófeus de equipe. Em 2008, a cidade participou de um campeonato de história e geografia em comemoração aos 250 anos do Estado. Sagrou-se campeã. No ano seguinte, repetiram o campeonato e a cidade chegou à final sem errar nenhuma pergunta, assim como os rivais de Teresina. Para desempatar, foi feito um esquema em que a mesma pergunta era feita para as duas equipes e respondia quem batesse primeiro em um botão, mas aí os cocalalvenses ficaram apenas com o vice.
Porcos e cajueiros
Quanto mais se enumeram as vitórias, maior é o contraste com o tamanho da cidade a 300 quilômetros de Teresina. De perto, Cocal dos Alves parece menor ainda do que revela o tamanho de sua população. Muitas famílias moram em casas afastadas em meio a grandes plantações de cajueiros, a principal fonte de renda da cidade. A maior parte das ruas é de terra ou areia e frequentada por galinhas, cabras e porcos que vivem fora da cerca.
No pequeno centro de meia dúzia de ruas de paralelepípedo e casas sem recuo, nada remete às recentes glórias educacionais. A única faixa, esticada na Praça da Igreja, diz “Bem-vindos aos festejos de São João Batista”. Mesmo nas duas escolas campeãs, a Unidade Escolar Teotônio Vieira Brandão, de ensino fundamental, e a Agostinho Brandão, de ensino médio, não há troféus expostos, por falta de estrutura – todas as salas são usadas para aulas, não há espaço de convivência, quadra ou laboratórios e biblioteca é um luxo que existe em apenas uma delas.
Sonho possível
Para os alunos e professores envolvidos nas competições, no entanto, nada é mais importante. Além das aulas regulares, há treinamentos aos sábados e, quase todos os dias, cada um estuda em sua casa, por prazer e pelo sonho, comprovadamente possível, de se destacar. Na zona rural, a energia elétrica vem sendo instalada nos últimos dois anos e a referência para crianças e adolescentes não é nenhum astro da música ou do futebol, mas os colegas medalhistas.
“Desde pequena, meu sonho é ganhar medalha”, diz Ana Carla de Brito Amaral, de 11 anos. Os pais e professores chegaram a temer uma frustração. “No ano passado, ela disputou pela primeira vez e a gente conversou que na 5ª série o máximo que alguém tinha ganhado era um bronze, então, uma menção honrosa estaria ótimo”, lembra a mãe, Edna de Brito.
Ana Carla conquistou a prata. Estabeleceu um novo recorde a ser perseguido pelos amigos, enquanto ela mesma já tem outros planos: “Quero o ouro na matemática e, quando tiver idade, vou disputar o Soletrando”, avisa, com um sorriso tímido, mas confiante.
Para o coordenador estadual das olimpíadas, João Xavier da Cruz Neto, professor de Matemática da Universidade Federal do Piauí, o que faz os alunos de Cocal dos Alves terem mais paixão pelos livros do que pela bola são os professores. “A diferença entre o futebol e a matemática é que no esporte qualquer um reconhece e estimula um talento. Já na matemática, a maioria não enxerga e muitos vêem alunos desafiadores como problema.”
Professores nascidos e criados na terra
O desempenho do professor de matemática Antonio Cardoso do Amaral se traduz em números. Desde que a OBMEP começou em 2005, ele teve alunos premiados em todas as edições: 2 pratas e 1 bronze no primeiro ano; 1 ouro, 3 pratas e 2 bronzes em 2006; 2 ouros, 1 prata e 5 bronzes em 2007; 6 bronzes em 2008; 1 ouro, 1 prata e 8 bronzes em 2009; e o resultado recorde do ano passado, cuja premiação ocorreu neste mês.
Por causa disso, foi convidado a falar ao Senado, fazer uma reunião com o ministro da Educação Fernando Haddad e dar informações à assessoria de Dilma Rousseff, que vai comentar o assunto no seu programa de rádio Café com a Presidenta. “Só dá certo porque os alunos querem aprender”, garante.
Para comprovar a tese, conta que se inscreveu em um concurso para uma vaga de mestrado em que havia 40 vagas e 800 inscritos. Ficou em 53º lugar. “Não estou entre os melhores. O que faço é me esforçar para apresentar a matemática como ela é. Nunca dou uma fórmula pronta, volto lá na história, resolvo do jeito difícil, mostro o caminho penoso e como alguém saiu dali para uma fórmula que tornou mais fácil resolver tal questão.”
Amaral nasceu em Cocal dos Alves, antes da emancipação do município, que ocorreu há apenas 15 anos. Fez o primário ali e o restante na vizinha que já foi sede, Cocal – sem "dos Alves" e sem medalhas. Nos primeiros anos em que deu aula, enfrentou resistência dos familiares dos alunos. “Ele era rígido, os pais vinham todos reclamar comigo”, conta João de Brito Cardoso, primeiro prefeito da cidade, analfabeto – como quase toda a população acima de 50 anos – e avô de uma medalhista. Para Amaral, a olimpíada foi o que o salvou.
Futuro promissor
Os resultados educacionais começam a mudar a vida dos cocalalvenses. A primeira transformação ocorre nas próprias escolas. Todos os oito computadores e o datashow utilizados foram prêmios pelos resultados nas competições. Desde o campeonato pelo aniversário do Estado, também há a promessa da construção de uma quadra, luxo que nenhuma das unidades possui até agora.
A própria escola de ensino médio vai mudar de prédio no próximo semestre. O governo federal construiu uma instituição modelo com prédios arejados e espaço de jardinagem que, por enquanto, destoa. “Lá vamos poder montar laboratórios, coisa que nunca se viu por aqui”, diz o coordenador pedagógico, Darkson Vieira Machado.
Nas casas dos premiados, também já se vê mudança. Algumas competições os premiaram com netbooks, e as medalhas nas olimpíadas brasileiras dão direito a bolsa de R$ 100 por mês durante um ano. No casebre sem reboco e com fogão à lenha de João Francisco Rocha, de 17 anos – medalha de bronze em 2008, o dinheiro se transformou na geladeira, que a família ainda não tinha.
O professor Amaral confia que vem muito mais por aí: “Se você voltar aqui em 10 anos, essa família vai ter uma condição de vida totalmente diferente, proporcionada pelo profissional bem formado e pago que este menino vai se tornar. Garanto.”
O FILÓSOFO
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