Considerada doença, dependência leva pessoas até mesmo ao suicídio, diz estudo
Baralho, loterias,
cavalos, bingo, caça-níqueis, bicho. Não importava o jogo e sim apostar. Por
causa da dependência, perdeu carros, casa, amigos, marido. Acabou na mão de
agiotas. Foram cinco anos de mentiras e terror, vagando de bingo em bingo para
"esmolar" cartelas, comida, café.
Período que ela quer
esquecer.
Vítima de uma
"epidemia" que não aparece nas estatísticas do Ministério da Saúde,
L., paulistana de 46 anos, sofre de uma doença
que nos próximos anos pode atingir mais de 5,3 milhões de brasileiros, segundo
especialistas. Uma enfermidade algumas vezes letal: a dependência do jogo leva 22% das mulheres e
6% dos homens a tentarem o suicídio, segundo dissertação de mestrado da
médica Sílvia Sabóia Martins, defendida na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP).
Hoje, o jogo movimenta cerca de R$ 500 milhões por ano no Brasil. Bingos e máquinas
caça-níqueis são os que mais crescem em número. Segundo a CPI do Bingo, já
existem mais de 250 casas, com centenas de máquinas de videopôquer. Os
caça-níqueis - em bares, lanchonetes, padarias - superam os 250 mil.
"Com essa epidemia, o País terá, em pouco tempo,
de 2% a 3% de sua população envolvida no jogo",
Acredita o psiquiatra
Hermano Tavares, fundador do Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), do
Instituto de Psiquiatria da USP, no Hospital das Clínicas. Segundo ele, as mulheres desenvolvem a
compulsão, em média, quatro vezes mais rápido que os homens.
Acompanhando dependentes desde 1997, Tavares
concluiu: ganhar dinheiro em jogo é um sonho distante.
"Chega
uma fase em que a pessoa vê que está perdendo. Começa a tentar reverter o
quadro. Aí aumenta a aposta para recuperar e passa a perder mais."
Uma roda-viva que nunca
tem um final feliz. As sucessivas
perdas obrigam os dependentes a pedir empréstimos para amigos e parentes.
"O
dinheiro obtido volta para o jogo e a pessoa quebra de novo. Acaba indo morar
na rua, perde família, amigos. Começa a recorrer a agiotas", relata.
"Sem ter como pagar, muitos tentam o suicídio."
Estelionato - Os caça-níqueis estão em todos os pontos do País. A cada mês surge um
bingo novo e centenas de máquinas passam a funcionar. "O Brasil foi
inundado pelas máquinas eletrônicas programáveis", afirma o promotor de
Justiça Rodrigo Canelas Dias. Segundo ele, num primeiro momento elas parecem
uma brincadeira inofensiva. "No entanto, escondem estreita ligação com a
máfia italiana e espanhola", garante.
Em seu trabalho sobre a
tipificação legal da exploração dos caça-níqueis, Canelas Dias revela que
documentos encaminhados ao Ministério Público de São Paulo pela Direção
Investigativa Anti-Máfia, da polícia italiana, mostram que o dinheiro,
inclusive do narcotráfico, estaria sendo "lavado e reciclado" no
Brasil por empresas relacionadas com a importação e a exploração das máquinas
de videobingos e de caça-níqueis.
O promotor revela ainda
que estudos dos peritos do Instituto de Criminalística de Bragança Paulista
verificaram que todas as máquinas de jogo, das mais simples às mais
sofisticadas, são dotadas de microchaves (switches), por meio das quais é
possível alterar seu comportamento de acordo com a vontade de quem as explora.
"Trata-se de jogo viciado, de estelionato coletivo, a ser capitulado como
crime contra a economia popular."
A Lei 9.615, de 1998, a
chamada Lei Pelé, determinou que não deveria ocorrer a exploração das máquinas
eletrônicas programáveis nas salas de bingo. Mas, em São Paulo, muitos
estabelecimentos funcionam sem alvará, amparados por liminares.
Sem fiscalização - O Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) paulista
tem 30 inquéritos sobre as atividades dos bingos, mas as apurações estão
paralisadas. Com isso as máquinas caça-níqueis funcionam livremente, sem passar
por fiscalização da polícia, das prefeituras ou da Justiça.
Com base na denúncia da
mulher e da filha de dois entregadores de produtos do Mercado Municipal, a
Delegacia de Crimes Eletrônicos, do Deic, apreendeu máquinas em quatro bares da
Rua Cantareira. No Estado de São Paulo, bicheiros, comerciantes, ex-policiais e
pequenos empresários exploram os caça-níqueis livremente. Já os bingos são
controlados por bicheiros, estrangeiros e empresários.
FILÓSOFO
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