DA FUNÇÃO DA FILOSOFIA
(Continuação da postagem do dia 25/01/2012)
Em razão da impossibilidade de abarcar, hodiernamente, todo o âmbito do conhecimento humano, parece mais plausível pensar numa restrição temática à Filosofia, deixando-a tratar de certos temas, como os mencionados acima. Nesse sentido, a filosofia teria um âmbito de problemas específicos sobre os quais trataria. No entanto, o tratamento desse âmbito específico continua a manter ao menos uma função geral, a qual pode ser considerada de forma extremada ou de forma mais modesta. Assim, a lógica, a ética, a teoria do conhecimento, a estética, a epistemologia são disciplinas filosóficas, tendo uma função geral para o conhecimento em geral, seja para as ciências, a partir da lógica, teoria do conhecimento, epistemologia, seja para os sistemas morais, a partir da ética filosófica, seja para as artes, a partir dos conhecimentos estéticos.
Por exemplo, no que concerne à lógica, ao menos como a concebeu Aristóteles, ela pode apresentar uma refutação do ceticismo e, portanto, estabelecer a possibilidade da verdade, determinando a obediência necessária ao princípio de não contradição. De forma menos modesta, mas não sem o mesmo efeito, podemos dizer que as outras disciplinas pretendem o mesmo, determinando, portanto, a possibilidade de conhecimentos morais, estéticos, etc. No caso da moral, ela pode mostrar que questões controversas podem ser resolvidas racionalmente, bem como apontar para critérios de resolução racional de problemas.
Essa tarefa pode ser considerada de uma forma mais ou menos audaciosa. Habermas apresenta, nesse particular, três concepções. A de Kant, a de Rorty e a sua própria.
Kant E a Crítica da Razão Pura |
Kant, dentro do fundamentalismo da teoria do conhecimento, "ao pretender aclarar de uma vez por todas os fundamentos da ciência e de uma vez por todas definir os limites do experienciável, a Filosofia indica às ciências o seu lugar". É a função de indicador de lugar. Conjugado com isso, Kant pôde afirmar:
"pode-se encarar a Crítica da Razão Pura como o verdadeiro tribunal para todos os conflitos da razão. Com efeito, não está envolvida nestas disputas enquanto voltadas imediatamente para objetos, mas foi posta para determinar e julgar os direitos da razão em geral segundo os princípios de sua primeira instituição".
Aqui, a Filosofia é concebida como um tribunal, exercendo o papel de juiz, a partir de seu lugar privilegiado, de onde detém os fundamentos e dita leis.
Rorty, por sua vez, desconfia desse conhecimento privilegiado que a Filosofia possa ter. Por isso, “abandonar a noção do filósofo que conhece alguma coisa acerca de conhecer o que mais ninguém conhece tão bem seria abandonar a noção de que a sua voz tem sempre um direito primordial à atenção dos outros participantes na conversação”. Isto implica no abandono de que o filósofo possa decidir “quaestiones júris”. A tese de Rorty é, portanto, relativista. De fato, já Wittgenstein afirmara:
“a filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso efetivo da linguagem; em último caso pode apenas descrevê-lo”. Pois também não pode fundamentá-lo. A filosofia deixa tudo como está".
Já, Habermas propõe a função de guardiã de racionalidade no lugar da função de indicador de lugar. Ou seja, a Filosofia seria uma espécie de defesa da racionalidade contra o relativismo extremado. Por outro lado, função de juiz seria substituída pela de intérprete, na medida em que faria uma mediação entre os saberes especializados e o mundo vivido.
Kant | Rorty | Habermas | |
Função | indicador de lugar | - | guardiã de racionalidade |
Função | juiz | - | intérprete |
Pode-se dizer que esse trabalho esclarecedor tem o papel de tornar explícitos saberes operantes na linguagem e na nossa forma de ver o mundo e, nesse sentido, tem um papel conscientizador e por que não, potencialmente crítico, já que torna as pessoas mais atentas a certas determinações conceituais.
Em suma, a filosofia tem como tarefa delimitar uma concepção mínima de racionalidade. Porém, o conceito de razão daqui resultante não é, como em Kant, "uma ilha fechada pela natureza mesma dentro de limites imensuráveis". Segundo Habermas, "a razão comunicativa não passa certamente de uma casca oscilante – porém, ela não se afoga no mar das contingências, mesmo que o estremecer em alto mar seja o único modo de ela ‘dominar’ as contingências".
Nesta perspectiva, a filosofia conserva uma função crítica no sentido kantiano, isto é, uma autoridade indiretamente legisladora, pois aponta os desvios no cumprimento das condições de possibilidade da racionalidade. A recusa de uma posição teórico filosófica como sendo sem valor para a prática já foi diagnosticada por Kant como sendo a pseudo sabedoria do olhar de toupeira, incapaz de olhar com os olhos de um ser feito para ficar de pé e contemplar o céu.
Temos, portanto:
1.] o conhecimento específico da filosofia com uma função geral forte [Kant];
2.] o conhecimento específico da filosofia sem uma função geral [Rorty];
3.] o conhecimento específico da filosofia com uma função geral fraca [Habermas].
O FILÓSOFO
Nenhum comentário:
Postar um comentário
OBRIGADO POR DEIXAR UM COMENTÁRIO PARA O FOLHAS DE CAMPO MAIOR