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sábado, 7 de abril de 2012

A CORRUPÇÃO GOVERNA O BRASIL



A corrupção vem crescendo no Brasil, nas últimas duas décadas, porque o Congresso, na prática, aboliu as cassações de mandato como forma de punição. É o que diz Modesto Carvalhosa, que na próxima quinta-feira completa 80 anos.

Em meio a uma dezena de obras que publicou, sobretudo em direito societário e comercial, Carvalhosa coordenou as 493 páginas de "O Livro Negro da corrupção" (1995), centrado nas revelações que levaram à queda, em 1992, do então presidente Fernando Collor de Mello.

Modesto Carvalhosa, professor de dioreito e scritor
Modesto Carvalhosa foi professor de direito comercial na USP, presidente do Condephaat (1984-1987), quando foi tombada a Serra do Mar, consultor da Bovespa e presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP. Também presidiu a Associação de Docentes da USP, liderando em 1978 uma greve contra o regime militar.

Sua publicação de maior fôlego foram os quatro volumes dos "Comentários à Lei das Sociedades Anônimas", publicados em 1977 e atualizados em sucessivas edições até o ano passado.

O professor e advogado é homenageado em documentário de 45 minutos produzido por sua filha Sofia.

O filme passará em duas sessões na próxima quarta-feira, no MIS (Museu da Imagem e do Som), às 21h e às 22h. Os ingressos são gratuitos, mas para a primeira sessão eles já estão esgotados.

Folha - Desde a publicação de "O Livro Negro da corrupção", em 1995, a corrupção aumentou ou diminuiu no Brasil?

Modesto Carvalhosa - Aumentou. Na época, prevalecia uma ética na sociedade que levava os corruptos, ao menos no Congresso Nacional, à cassação. Hoje a corrupção é mais rasteira e evidente. O instituto da cassação foi abolido, na prática. O último político atingido foi José Dirceu, em 2005. A sanção política desapareceu, e com isso agora há muito mais campo para corruptores e corruptos.
E a Lei da Ficha Limpa?

É uma grande medida, mas não impede que o político eleito suje sua ficha dentro do Congresso, o que ocorre se ele for cooptado pelos lobbies corruptores. A única inibição da corrupção é a sanção social, representada pela falta de decoro e pela cassação.

O chamado "presidencialismo de coligação" teria algo a ver com a impunidade?

Claro, já que o Brasil é um país presidencialista, mas que adota um governo que teoricamente tem um pouco a ver com o Parlamentarismo europeu no Pós-guerra. No Brasil a coalizão de partidos não dá sustentação ao governo, ela divide o poder com ele. Cada partido troca o seu apoio por cargos. Isso gera crises freqüentes. E os partidos, por lotearem o poder, acabam por se unir para evitar a punição de ministros, deputados e senadores.

Há alguns anos a percepção era de que a corrupção estava circunscrita ao Executivo e ao Legislativo. O Conselho Nacional de Justiça mostra que parte do Judiciário também está contaminada. A seu ver o CNJ já está solidificado, ou ainda podem cortar as asas dele?

Carvalhosa responde: “A dialética dessa questão é interessantíssima. Desde dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal enfrentou um desgaste, uma desmoralização na opinião pública, por ter impedido que o CNJ fiscalizasse desembargadores. Mas a opinião pública elegeu o CNJ como um órgão de atuação positiva e moralizadora, como a grande instituição brasileira capaz de atuar contra as improbidades”.

E a súmula vinculante [decisões do STF que devem ser seguidas em instância inferior], de que já se falou tanto?

Isso é algo muito, muito importante. Pena que não esteja se expandindo.

Sobre direito societário: as empresas com controle acionário pulverizado e com administração profissional deram -ou não- mais dinamismo aos mecanismos de decisão?

Cada caso é um caso, dependendo dos administradores. Nos anos 90 falou-se em "governança corporativa" como se fosse uma religião. Mas os administradores das companhias de controle pulverizado muitas vezes se apropriam de recursos imensos, por meio de bonificações que eles têm o poder de conceder a si mesmos. Há na Europa e nos EUA casos em que administradores recebem honorários de US$ 50 milhões. Companhias com controladores mantêm a rédea sobre administradores. Nos EUA, montadoras há três anos falidas distribuíam milhões em bônus aos administradores.

Depois das privatizações, as estatais que permaneceram sob controle do Estado são administradas de modo mais técnico, conveniente, mais profissionalizado, mas com deficiências próprias à ingerência política e pressão dos fundos de pensão, que atuam como repúblicas independentes dentro do Brasil.

Entre 1977 e 1979 o Sr. também presidiu a associação dos professores da USP, que promoveu uma greve. Havia também contestação ao regime?

Foi um momento que aconteceu quando tomávamos consciência da necessidade urgente de mais democracia. Nossa greve ocorreu na mesma época que a dos metalúrgicos de São Bernardo.

O mundo mudou desde então, e para melhor. A democracia se impôs em certas áreas e ela funcionou como uma forma de aperfeiçoamento civilizatório. Houve um grande avanço nos direitos da sociedade civil. Com relação ao Brasil, estávamos em mãos de uma oligarquia que acreditava em valores éticos, mas não tinha uma visão social. Ocorreu uma abertura, mas a classe política ficou com um perfil mais vulgar. A sociedade civil, no entanto, cresceu e está bem mais poderosa.

Qual o papel das ONGS nesse processo?

Todos os movimentos sofrem os efeitos da burocratização, da degeneração, de perda de seus objetivos iniciais. As ONGS perderam muito de seu impulso generoso ao se institucionalizarem. Em lugar de um ideal, elas hoje querem se aproximar dos governos. A institucionalização degrada as idéias.

Como pianista amador, quantas horas por semana o Sr. tem se exercitado?

Muito pouco, talvez umas quatro horas. Tenho estudado peças menos difíceis de Mozart, Bach, e o Liszt que seja mais fácil.
E com relação às leituras?

Tenho lido historiadores franceses e obras de psicologia, à procura de respostas a uma antiga obsessão minha que são as impulsões do ser humano, no sentido de Nietszche. As impulsões são muito negativas, uma tragédia. Saramago tem uma frase terrível: "O ser humano não merece a vida." Só por essa frase ele já teria merecido o Prêmio Nobel. (JOÃO BATISTA NATALICO .)

O FILÓSOFO

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